segunda-feira, 24 de março de 2014

Os meus "passaportes"



Ontem calhou-me esperar por uma consulta - às vezes acontece. Se é verdade que no sector privado fico doente com as esperas, no público levo a coisa com outra tranquilidade. Preparada já para essa eventualidade, fui munida de um lanche, água e bordado. O essencial, portanto. E a espera fez-se muito mais fácil.

Quem me lê há algum tempo sabe que nutro especial afecto por têxteis, fibras, cores, tricots e bordados. Depois da adolescência, em que os lavores estavam postos de lado - excepto talvez os obrigatórios bordados em ponto cruz da aula de Trabalhos Oficinais - a idade adulta chegou, a moda mudou, e as técnicas tradicionais voltaram a estar na mó de cima, e ainda bem.

Na Argentina, o tricot salvou-me a vida ao servir de veículo de adaptação e integração na minha nova comunidade. Foi através das agulhas e dos fios que fiz amizades que ainda hoje duram, apesar do tempo e da distância. No Panamá, à falta de comunidade de tricot, lancei-me pelos caminhos do bordado, de forma totalmente auto-didacta - e como tenho aprendido desde então!

Descobri que o bordado (como tantas outras coisas...!) pode ser tão simples ou tão complexo quanto nós queiramos. Descobri também que o sentimento que tenho ao olhar para um projecto terminado é mais do que orgulho: é uma espécie de poderosa satisfação ao perceber que aquele trabalho que ali está foi idealizado por mim, executado por mim, me acompanhou em vários momentos dos meus dias, e ali está ele, terminado pelas minhas mãos, em conjunto com a minha cabeça. É uma sensação deliciosa de poder criativo: não mando o projecto para ser impresso numa gráfica, como acontece no meu trabalho de designer gráfica e, muitas vezes, no de ilustradora. É feito aqui, num agora estendido no tempo, mas por mim, pelas minhas mãos.

Suponho que nem só pelo tricot e pelo bordado se possa alcançar uma sensação semelhante: diz-me quem experimenta confeccionar uma receita nova que o sentimento é semelhante. Ou quem ensaia até conseguir executar um andamento de forma perfeita, ou dançar uma coreografia complexa.

Para mim, mais que a música, a cozinha ou a dança, são o tricot e o bordado os meus passaportes para me sentir melhor, mais feliz, mais realizada. Acompanham-me em momentos difíceis e menos difíceis, acompanham-me nos momentos de lazer. E depois de terminadas as peças, orgulho-me do trabalho terminado e ponho-o a uso. Hoje, enquanto escrevo estas palavras, tenho vestido um casaco e uma gola tricotados por mim. Levanto os olhos do computador e vejo pinturas que fiz. O bordado, aqui mesmo ao lado, chama-me para um intervalo, que na verdade também é trabalho, já que estou de momento a bordar o projecto de Maio do meu Clube de Bordado. É bom olhar à minha volta e reconhecer as marcas da minha passagem neste universo que, com o tempo, fui recriando.

E vocês? Qual é, ou quais são os vossos passaportes?

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sexta-feira, 14 de março de 2014

Retratos bordados dos tios







Olá a todos!

Hoje quero mostrar-vos um dos projectos que tinha por terminar - e que acabei durante a semana que tirei de férias. Há um ano e meio atrás, de férias de Verão cá em Portugal, a minha sobrinha mais velha, na altura com sete anos, fez retratos dos tios. Para a tia emigrante, aqueles retratos tornaram-se tesouros preciosos, e foi aí que pensei em bordá-los em fronhas de almofadas para pôr no sofá.

Aproveitámos a estadia em Portugal para ir ao ikea comprar as capas para as almofadas que temos e assim que regressámos à rotina panamenha transferi ambos os desenhos para duas fronhas diferentes. Comecei pelo retrato do tio, que rapidamente terminei. Passei depois para o meu retrato, mas entretanto a vida aconteceu, entrámos em modo mudanças, empacotámos a nossa vida, e passaram vários meses até a desempacotar, já na casa nova, no continente novo. Até nos sentirmos instalados e adaptados, acabei por não pegar neste projecto.

E foi por isso que durante esta semana decidi ir terminar projectos que estavam no cesto dos suspiros, aquele cesto que alberga os projectos que não estão abandonados, mas que também não estão a progredir. Felizmente, não estão lá muitos - dão-me nervos! - mas depois desta semana, ficou menos um.

Ambos os retratos estão já no sofá, e as almofadas dão motivo de conversa a gente de todas as idades. Como disse na altura em que escrevi pela primeira vez sobre este projecto, as minhas sobrinhas são as crianças mais lindas, inteligentes e engraçadas que conheço - eis um juízo completamente idóneo desta tia ultra babada!

E vocês? Já bordaram ilustrações das crianças que vos rodeiam? Onde?

(Antes de vos desejar um bom fim-de-semana, relembro que já saiu o número 39 da zine "airing from Lisbon", gratuita para os assinantes da newsletter. Assinem aqui e acedam à zine, à vossa ilustração gratuita e a todos os bónus exclusivos para subscritores. Obrigada pelo vosso apoio!)

Desejo-vos um óptimo fim-de-semana, bom descanso!

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O tricot e a viagem no tempo





Um dos meus objectivos para as férias de Natal era dedicar algum tempo ao meu hobby favorito: o tricot. Às vezes a vida mete-se no caminho, o trabalho transforma-se numa prioridade e o ócio, esse, lá se vai pela janela. E por isso, este Natal, lancei-me a um projecto que queria fazer e não tinha tido oportunidade de começar: um novo xaile.

(Abro um parêntesis para contar que este Inverno tenho usado os meus xailes todos os dias, com um prazer que não consigo descrever. Jamais pensei que fosse uma peça tão versátil e tão útil! Por isso, já percebi que não existe o conceito de "xailes a mais", sobretudo os tricotados à mão. Fecho parêntesis.)

A receita que estou a seguir é a do xaile Laminaria, e a minha página de projecto no ravelry vive aqui. O fio, essa maravilha da natureza e do engenho humano, é uma mescla de seda e mohair (nada vegan, portanto) que comprei na loja Cuentapuntos, em Santiago do Chile, quando em Agosto de 2012 acompanhei o senhor meu marido numa viagem de negócios até à ponta sul do continente americano. Lembro-me dessa compra como se fosse ontem: estive mais de uma hora com a senhora que me atendeu, a escolher cores, a fazer perguntas, a trocar opiniões, a conversar. Saí de lá com o coração quente e um saco cheio de meadas, e hoje, ao tricotar este novelo, lembro-me dessa altura, do que sentia nesse momento, das emoções dessa viagem. E viva o tricot por me proporcionar esta viagem no tempo!



Para quem não sabe tricotar: aprendam! É uma actividade tão boa para relaxar, conhecer novas coisas, fazer amizades! Dia 18 de Janeiro dou workshop cá no atelier, querem vir?

Para estarem sempre em cima do acontecimento, convido-vos a assinar a minha newsletter - e ainda recebem uma ilustração gratuita (mais acesso, também gratuito, à zine "airing from Lisbon" e outras surpresas).

Boa semana!

*

Uma nota, em jeito de post scriptum: Bem sei que o "Entre..." tem estado um pouco triste, só e abandonado. Mas eu continuo aqui, a escrever, só que noutro lugar. Venham-me visitar!

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A pensar no bordado de fim-de-semana

My favorite embroidery supplies

O fim-de-semana está à porta e já estou a sonhar com a minha sessão de bordado no Domingo à tarde, sentada na minha cadeira favorita, à beira da janela da sala.

Vários leitores me perguntaram que materiais uso nos meus bordados. Agora que o Clube de Bordado está prestes a começar (no dia 1 de Setembro sai a primeira receita! Inscrições aqui.), parece-me o momento ideal para partilhar a minha lista.

Na foto acima é possível ver, do lado esquerdo, o tecido. É aqui que a magia vai acontecer. Um bom básico é o algodão, em cores lisas. Mas não há limites para a imaginação!

O bastidor de bordado é uma ajuda preciosa. Para além de servir no processo de bordado, também pode servir para pendurar o trabalho final.

Agulhas de coser à mão são ideais para este efeito. É importante verificar sempre se têm o tamanho adequado quer para o tecido, quer para o fio com que se vai bordar. Uma caixinha com agulhas de vários tamanhos é ideal.

Quanto ao fio, a minha preferência recai no algodão, em cores vivas, que não se desfie. Vêm em pequenos novelos.

A tesoura de bordar é pequenina e leve. Mas atenção a quem vai viajar de avião: deve ser guardada na bagagem de porão, senão é confiscada. A minha dica é guardar uma caixa de fio dental e usar a sua lâmina para este efeito. Funciona!

Para transferir o desenho para o tecido, é necessário um marcador. Quando comecei a fazer ilustrações bordadas, usava um lápis suave. Apesar de funcionar perfeitamente, requer uma lavagem cuidadosa no final. Por isso agora uso giz de alfaiate, lápis apropriados para tecido ou a minha opção favorita, a caneta “Mark-B-Gone”. Obrigada à minha amiga JC, que ma mostrou pela primeira vez.

Esta é a lista básica. A partir daqui, o mais importante é encontrar os materiais que se adequam ao nosso gosto e ao projecto que queremos desenvolver. Quando comecei a fazer ilustrações bordadas, não sabia sequer um ponto básico! A minha inexperiência não foi impedimento para começar. É por isso que acredito que o Clube de Bordado vai ser divertido tanto para principiantes como para bordadores mais experientes. Inscrevam-se já!

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Clube de bordado

Bordar é divertido!

Eu sei, eu sei, ando muito ausente. Já aqui contei que ando a fazer um curso de negócios e a dar umas voltas imensas ali para aquelas bandas. E hoje aproveito também para vos contar que, ao abrigo de todas estas mudanças, estou a lançar um novo Clube de bordado!

O Clube é para vocês, queridos leitores, que gostam de acompanhar as minhas aventuras; a partir de agora também vão poder participar. Como, perguntam vocês? É muito simples. Inscrevem-se aqui, o paypal encarrega-se dos pagamentos (25 euros por 6 meses; 45 por 12; a estes valores acresce o IVA para quem reside em Portugal) e a partir de Setembro passam a receber na vossa caixa de correio uma receita de bordado por mês para poderem bordar uma ilustração minha.

Giro, não é?

A melhor parte é que até hoje à meia-noite poderão gozar de de 15% de desconto na inscrição! Não percam e inscrevam-se já, já.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Mais mimo, por favor

Quatro meses volvidos depois do regresso a Lisboa, pergunto-me se a lua-de-mel está a chegar ao fim. De repente, dou por mim a reparar no lixo no chão, ou nas paredes pintalgadas por vândalos que gostariam de ser artistas de grafitti.

Talvez já se me tenha apagado da memória a sujidade absolutamente negligente das ruas da Cidade do Panamá, mas nos últimos dias tenho reparado que há vários bairros da nossa cidade que estão sujos. Os passeios estão cheios de substâncias várias, para além dos suspeitos do costume: aos cocós de cão (donos, onde andam vocês?) juntam-se manchas pegajosas de origem desconhecida. Manchas sobre as quais antigamente alguém mandava um balde de água com detergente, mas hoje parece que essas almas cuidadosas já não têm ânimo, energia ou idade para o fazer.

É pena. E voltamos ao mesmo de sempre: tudo o que temos é mau (e não o cuidamos); tudo o que vem de fora é excelente, e os estrangeiros são todos muito melhores que nós. É outra vez o fatalismo do "país que temos", quando na verdade este é o "país que fazemos".

Que caminho há para inverter esta situação? Bem, eu sugiro que sejamos nós a arregaçar as mangas, ou seja, a acção cidadã, que continua a ser a melhor, mais eficaz e expedita para resolver a maioria das situações que queremos mudar.

Proponho o seguinte: esta semana, se virem um papel atirado ao chão, apanhem-no e deixem-no no lixo. Se virem muito lixo, liguem para a Câmara.

Quanto aos horrorosos tags nas paredes, preciso das vossas ideias. Que fazer? Conhecem receitas caseiras para tirar aquela porcaria das paredes? Algum número para onde possamos ligar? Uma carta que possamos escrever à Câmara, alguém a contactar?

Ajudem-me, por favor. É que temos de cuidar o nosso espaço, seja ele Lisboa, Porto, Funchal ou Terceira. Não importa: é nosso, é de todos. E temos de ser nós a fazer algo para que todos possamos viver num espaço mais bonito.

*

Este texto foi inicialmente publicado no Portugalize.me. Como costuma acontecer nos assuntos do coração - no meu caso, paixão por Lisboa - gerou alguma discussão lá por terras facebookianas. Frutos dessa discussão são:

• plataforma da Câmara Municipal de Lisboa para o munícipe pedir recolha de lixo, lixo volumoso, entre muitas outras coisas
• grafittis limpam-se com diluente ou ácido muriático, à venda em drogarias (requer uso de luvas grossas e máscara protectora)

Uma cidade mais cuidada está nas nossas mãos, gente!

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Cápsula do tempo

I'm never tired of Sebastião Rodrigues's work. This cover is 50 years and doesn't feel dated. #illustration #design #almanaque #portugal

Quando, há quase sete anos atrás, parti para a Argentina, fechei o que não vendi dos recheios da minha casa e do atelier em caixotes, guardados na arrecadação dos meus pais.

Os anos foram passando e em cada viagem de férias resgatei alguns livros que queria mesmo ter perto de mim. Não muitos, infelizmente; o limite de peso na bagagem de porão não o permitia (e o azeite da Capinha ganhou sempre).

Apesar de me ter continuado a rodear de livros, é para mim difícil explicar a alegria que senti, quando há umas semanas atrás desembalei os caixotes, limpei o pó aos muitos livros e os arrumei em estantes. Não consegui evitar a sensação de estar a abrir uma cápsula do tempo, em que até o ar era o que ali ficara fechado quando os livros foram guardados.

Descobri com alegria vários títulos que me acompanharam durante os meus anos de trabalho em Portugal.

É o caso do catálogo da exposição do trabalho de Sebastião Rodrigues, que teve lugar no ano de 1995, vivia eu ainda em Macau. Na altura já sabia que queria estudar Design, mas estava longe de conhecer o que se fazia em Portugal.

Sebastião Rodrigues ilustrou e paginou publicações, cartazes, postais. Dedicou-se aos seus trabalhos com um sentido de atenção ao pormenor e uma minúcia que a mim me apaixonam. Penso ser por isso que hoje me dedico a fazer ilustrações bordadas, e ensaio, de figura para figura, um ponto cada vez mais pequeno.

Nos dias que correm, fazemos, enquanto colectivo, uma inversão paradoxal nos nossos interesses: com o smartphone mais moderno registamos o apreço pelas técnicas tradicionais que definem a nossa identidade. E é por isso que, ainda hoje, o trabalho de Sebastião Rodrigues é tão actual: porque combina linhas e formas que ainda hoje são contemporâneas com uma admiração pela tradição e um domínio das técnicas de paginação manual.

Se tiverem oportunidade, não deixem de folhear este livro. Se forem como eu, vão precisar de pano absorvente para evitar a baba na folha.

(Este texto foi publicado pela primeira vez no Portugalize.me.)